quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Os acidentes nucleares de Fukushima poderiam ter sido muito piores





O desastre nuclear de Fukushima impactou a vida dos moradores locais e do meio ambiente, mas alguns funcionários dedicaram a vida para evitar o pior. E há indícios de revelações não feitas pelo governo japonês.
O inimaginável tsunami de 11 de março de 2011 tirou a vida de mais de 15 mil pessoas, destruiu cerca de 130 mil edificações e, inicialmente, os prejuízos financeiros anunciados foram de 19 trilhões de ienes. Porém, com o acidente nuclear, esse valor pode ter ultrapassado os 26 trilhões. Esse volume foi muito superior – cerca de 100 bilhões de dólares a mais – em relação ao valor investido na recuperação do Grande Terremoto Hanshin Awaji, em 1995. Sem dúvida, esse pode ter sido o maior acidente natural até o presente no planeta. E, em conse
quência do tsunami, a Central Nuclear I de Fukushima começou a liberar material radioativo no dia seguinte, causando um dos maiores desastres nucleares do mundo, comparável ao de Chernobyl (Ucrânia) em 1986.

Em 9 de abril do ano passado aconteceu um vazamento da água radioativa dos tanques subterrâneos de armazenamento. Ele contaminou o solo e a água das proximidades da usina, afirmou a Tepco. Mas, foi só em 9 de julho que a Tepco-Tokyo Electric Power Company (Companhia de Energia Elétrica de Tóquio) anunciou que o nível de césio radioativo do poço poderia contaminar o Oceano Pacífico. Ela teve que admitir que o nível do césio 134 era de 9 mil becquerels por litro, o que significava 150 vezes mais que o permitido, enquanto o nível do césio 137 era 200 vezes maior que o permitido – 200 mil becquerels/l.

Logo depois do primeiro desastre com a Central Nuclear I vários cientistas, pesquisadores e profissionais da mídia se dirigiram ao local para verificar os fatos. Entre eles, o correspondente Vikram Ghandi conseguiu levantar que o nível de radiação no ar, com as explosões dos reatores, foi 168 vezes pior do que a da bomba atômica sobre Hiroshima. Ghandi entrevistou o médico Masamichi Nishio que verificou a tireoide das crianças das escolas locais e afirmou que “está claro que o nível de radiação é alto e não é local para se morar, mas o governo não fala sobre isso”. Um homem da 8ª geração de agricultores conta que seu pai se suicidou ao saber que por duas semanas comercializou alimentos produzidos em suas propriedades e que esses estariam contaminados.
Os milhares de tanques para receber água radioativa da usina de Fukushima ainda não possuem destino. Ninguém sabe o que fazer com eles. E esses continuam contaminando o solo com frequentes vazamentos, mangueiras que furam e desgastes, desabafa um funcionário da Tepco que prefere não se identificar.
Em agosto do ano passado Ryuta Idogawa tinha 27 anos e resolveu abrir a boca. Natural de Futaba (Fukushima) disse em entrevista que não poderia ir para a cova com o que sabia sobre o acidente nuclear logo após o tsunami, sob o ponto de vista de funcionário e cidadão. “Antes de acontecer a explosão na Unidade I queríamos água, precisávamos dela. Como não pudemos contar com isso, pensou-se na água do mar. Tinha que ter colocado a água antes para esfriar”, revelou em entrevista ao “Our Planet”. Ele conta que nenhum funcionário da Tepco deixou o local de trabalho mesmo após o tsunami, e a dedicação foi de vida ou morte. “Pensei que fosse morrer mas não fugi, assim como todos”, declarou. Depois da primeira explosão, a diretoria decidiu pedir para os funcionários mais jovens serem poupados de uma possível morte. Assim, somente os acima de uma certa idade teriam permanecido, talvez meia dúzia. “Nessa hora pensei que seria uma despedida – de morte, que não iria mais ver o meu chefe”, conta Idogawa com os olhos marejando. Desapontado com a coletiva de imprensa organizada pelo governo que sugeria a demissão voluntária em dezembro de 2011, pensou que não poderia mais continuar trabalhando numa organização onde a alta administração não dedicava a vida como os funcionários da usina. Ele deu a entender que havia uma distância entre as diretrizes da Tepco com o trabalho no local.

O apresentador de TV Shigeharu Aoyama foi um dos primeiros da mídia japonesa a obter autorização para entrar na usina após o acidente, em 22 de abril de 2011, para tentar mostrar a verdade para a população. Ele foi recebido pelo ex-diretor Masao Yoshida, que morreu de câncer em julho do ano passado, aos 58 anos. Yoshida teria dito que a alta diretoria da Tepco, através do alto escalão do governo, enviava instruções à distância sem mesmo saber o que se passava no local. Corajoso, apesar das ameaças do governo de não mostrar as imagens, falou o que viu naquele clima de guerra em Fukushima. Contou o programa que toda a culpa foi jogada no Yoshida e que ele ficasse de boca fechada para que as informações sobre o acidente nuclear e suas consequências não vazassem na imprensa. Ou seja, “os políticos de alto escalão pressionaram a Tepco, que por sua vez, pressionou a usina”, disse no programa.

Passados três anos e meio, a população japonesa e a imprensa internacional buscam a verdade sobre os acidentes nucleares e como conviver com os riscos provenientes. Em 29 de agosto, chegou às mãos da mídia japonesa um documento escrito pelo então diretor da usina, Yoshida, onde há uma descrição de tudo o que ocorreu desde o dia 11 até 15 de março de 2011. Nesse documento também constam as instruções recebidas pelos ministérios e Tepco, bem como as discussões dos porquês do acidente.
Se de um lado uma parte da mídia japonesa ataca o falecido Yoshida apontando-o como um homem que não fez nenhum trabalho de contramedida ao tsunami, o jornalista Ryusho Kadota, que também editou o livro “500 Dias da Usina Nuclear de Fukushima Daiichi e o Homem que Viu a Morte Chegando – Masao Yoshida” (tradução livre do original), afirma que “ele foi o homem que salvou o Japão de um acidente 10 vezes pior do que o de Chernobyl”.

Segundo Kadota, Yoshida foi um profundo estudioso dos efeitos de um terremoto e tsunami de grande escala sobre as usinas atômicas, desde a sua nomeação como diretor em 2007. Ele participou ativamente nas contramedidas apresentando propostas aos comitês, sempre embasado nos danos que um grande terremoto e tsunami poderiam causar em Fukushima, destruindo várias cidades e o risco imenso de acontecer um acidente nuclear. E, apesar de tudo isso, três explosões aconteceram. Kadota afirma que se Yoshida não tivesse pedido a ajuda do corpo de bombeiros e da Força de Auto Defesa para construção da linha para a introdução de água do mar na vent (recipiente de contenção do reator da unidade 1) para o resfriamento, os desastres teriam sido numa escala muito maior. O próprio Yoshida vestindo roupa à prova de fogo e com máscara, como numa guerra, segurando o cilindro de ar para eliminar o vapor, “era um trabalhador feroz”, descreve. E conta que por causa dessa liderança firme, nenhum funcionário abandonou o posto de trabalho. Chegou a ouvir deles que “por causa Yoshida podemos morrer juntos”. Isso confirma o que o ex-funcionário Idogawa relatou. Na época das explosões a mídia estrangeira divulgava o termo “Fukushima 50”, se referindo ao número total de funcionários que permaneceram na usina. “Na realidade foram 69 pessoas que decidiram ficar com o Yoshida”, conta Kadota.

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